QUARESMA: É TEMPO DE VOLTAR PARA CASA

QUARESMA: É TEMPO DE VOLTAR PARA CASA

Em grego e latim, a palavra conversão tem o significado de uma mudança de mentalidade e direção, colocando no centro o ser humano que consegue dar uma virada na vida. Já na língua hebraica, o termo conversão tem uma raiz que significa retorno, deixando entender que tem alguém à espera, aguardando na porta de casa ou na janela com ânsia e trepidação, pronto a dar-lhe aquele aperto e aquele “xero” que matam a saudade. A conversão, então, é a resposta humana à saudade de Deus, é o retorno a seu coração que bate, que ama, que espera. Retorno que é possível, justamente, porque tem um Pai benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia que está aguardando e torcendo. É dessa conversão que fala Joel: “Voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes, e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno, e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, destinado a perdoar o castigo” (Joel, 2,12-13). O profeta traz até nós o grito de Deus que sofre pelo afastamento de seu povo e pede insistentemente para que volte para casa. É o apelo comovente do Pai que implora a seus filhos e filhas que parem de virar as costas para Seu Criador e voltem para seu abraço cheio de ternura e misericórdia.

O evangelista Lucas consegue retratar esta dor paterna na belíssima cena da Parábola do Pai misericordioso que, durante anos, vasculha incansavelmente o horizonte a partir do terraço de sua casa, esperando o retorno do filho pródigo. Poderia ter largado definitivamente o filho ingrato que o abandona para correr atrás das coisas do mundo, mas não consegue ficar longe dele. A saudade e o amor paterno e materno falam mais alto. Aguarda seu retorno e, quando isso, acontece, não lhe joga na cara o erro que cometeu, mas o abraça, devolve-lhe a dignidade de filho e faz festa pelo seu retorno. Em suma, o retorno é possível porque tem o Pai com coração de Mãe que espera.

A Quaresma é o tempo que é colocado à nossa disposição para atender a esta súplica do Pai. É o caminho que nos leva de volta para casa donde nunca deveríamos ter saído, pois só nela encontramos o sentido e a plenitude da vida.. É um evento que se renova a cada ano e se propõe a todos nós com força e novidade, como se fosse a primeira e única vez. Em todas as épocas, esse tempo nos abala, nos coloca em discussão, traz à tona o desejo de arrependimento, a vontade de libertação e o anseio salvação. É um momento especial, uma oportunidade única a não perder. Não basta cumprir um ritual; é necessário que a pessoa se volte para Deus em sua integridade totalidade. É tempo de “rasgar o nosso coração”, rever as nossas prioridades, colocar as coisas em ordem, renovar-se, fazer as pazes com o passado e libertar-se de todos os ídolos, hábitos, opções e comportamentos que desfiguram a nossa essência e prejudicam a nossa identidade. Deixar-se reconciliar com Deus é o verdadeiro sentido da conversão.

Para nos ajudar nesse caminho, a Quaresma oferece três exercícios que desde sempre formam uma espécie de academia da alma: a esmola, a oração e o jejum.

A esmola é muito mais do que os trocados oferecidos ao pobre da esquina. Ela nos lembra que a vida é um dom de Deus que se enriquece na medida em que é partilhada. A esmola não é somente doar, mas, antes de tudo, é doar-se. É reconhecer-se e “viver-se” como ser solidário. É comprometer-se com a fraternidade e a amizade social. É desgastar-se pelos outros. É doar tempo, escuta, diálogo, compaixão e, por que não, também apoio econômico a quem necessita.
A oração é o momento em que nos colocamos à presença de Deus, frente a frente com Ele. É o nosso deserto do dia a dia, o lugar do abandono confiante, do enamoramento. É o espaço da intimidade com o Pai. É o momento do diálogo com o Ele, onde, além de falar-lhe de nós mesmos e das nossas preocupações, sabemos fazer silêncio para ouvirmos o que Ele tem para nos falar. Ele já sabe tudo de nós. Não precisamos ficar insistindo sobre as nossas coisas. Somos nós que sabemos pouco dele. Daí a necessidade de ouvi-lo com mais atenção. Portanto não se trata de quantas e quais orações dizer, mas de consagrar um tempo para ficar com o coração sintonizado com Deus, conhecer sua vontade e dispor-se a realizá-la no dia a dia.
Enfim o jejum. Não pode ser liquidado à abstinência da carne ou a uma simples redução da quantidade de comida. O seu significado é muito mais profundo. Por trás dele há umas perguntas decisivas: “Qual é o alimento principal da minha vida? Com que abasteço a minha existência? Quais são as minhas prioridades e os valores que orientam as minhas escolhas?”. O jejum serve a rever a pirâmide das prioridades, a identificar as nossas idolatrias, a apontar as coisas que nos ocupam e nos preocupam, a discernir os nossos interesses e a desvendar as opções pelas quais estamos dispostos a arriscar a nossa pele. Revela as coisas de que temos fome de verdade. Jejuar é esvaziar a barriga, o coração e a cabeça de tantas coisas supérfluas e contaminadas para voltar a sentir fome e sede de Deus e do seu jeito amoroso e cuidadoso de ser. Jejuar é muito mais do que diminuir as calorias ou desistir das proteínas da carne. É limpar a língua das conversas fiadas das mentiras e das fofocas que machucam os outros e semeiam o ódio e a maldade; é se desligar da televisão e do celular para conversar mais com seus familiares; é não se deixar engolir pela ambição e a vontade louca de fazer dinheiro para deixar mais tempo para marcar presença em família e brincar com os filhos; é se libertar do egoísmo para ter mais tempo para colaborar com a comunidade e socorrer aqueles que necessitam de nossa ajuda; é correr menos atrás da aparência e investir mais na essência; é desistir da lógica da violência e assumir a cultura da paz; é se livrar das drogas para não alimentar a criminalidade; é se manter longe da corrupção para investir todos os recursos em benefício do bem comum; é abdicar do “jeitinho brasileiro” e agir sempre na legalidade. Jejuar é desistir das idolatrias para fazer espaço a Deus e ao seu projeto de amor.

Boa Quaresma e até a linha de chegada, no domingo de Páscoa. A graça de Deus nos sustente nessa empreitada. (Padre Xavier Paolillo, Missionário Comboniano)